GUARÁ, ENTRE OS 40 MENOS

Guará em Trancoso, 1981. Foto: Mário Queiroz

OS 40 ARTISTAS MENOS PODEROSOS DO BRASIL

Arnaldo Bloch

Do Jobi para o mundo, uma sondagem histórica

Semana passada, a revista Veja publicou uma reportagem de capa mostrando quem são os 40 artistas mais poderosos do Brasil. Diante de tal revelação, esta coluna resolveu sondar a base da pirâmide, formada pela grande massa cultural desprovida de poder, e publicar a lista dos 40 artistas menos poderosos, dando-lhes o devido (ou indevido) espaço.

Os nomes foram escolhidos na última segunda-feira, em conversa informal no Jobi, bairro do Leblon, Rio. O colegiado era formado por, no máximo, três pessoas reunidas por longas horas na mesa de votação, ou seja, a mesa do botequim.

O critério do pleito (além do pré-requisito de não estar na referida lista dos “mais”) é um critério múltiplo e bêbado, que reúne no mesmo saco as seguintes farinhas:

1) Injustiçados, que mereciam ter poder.

2) Justiçados, que não mereciam.

3) Os que não almejam poder.

4) Os que tiveram poder e perderam. (…)

O colunista, presidente da mesa, reserva-se o direito de não revelar quais nomes pertencem a que categorias, deixando ao leitor o ônus e o bônus de enquadrá-los de acordo com o bom ou o mau senso, sob os cuidados da própria consciência. Até porque a escolha foi feira com base na intuição. Intuição esta cada vez mais intuitiva, conforme o correr das horas e do chope.

Aos que acusarem de ser uma lista feita nas coxas, sem ferramentas estatísticas, eu responderei sem pestanejar, apesar da ressaca que me corrói: concordo plenamente. E digo mais: é o que lhe dá relevo.

Questão de ordem: para evitar, desde já, fazer inimigos entre os contemplados e seus familiares e amigos, o colunista, antes de divulgar o resultado da sondagem, elegeu-se corajosamente a si próprio (no que concordam os demais membros do colegiado com gritos de júbilo) como membro hors concours da lista dos “40 menos poderosos do país”, segundo critérios tão óbvios quando obscuros.

Por outro lado, certo de que muitos se desejariam incluídos estarão ausentes da seleção final, esclareço que esta não se pretende definitiva. Pelo contrário: contestá-la, contribuir com outros nomes, questionar seu conceito (o pessoal adora questionar um conceito), deletá-la para começar tudo de novo são procedimentos recomendáveis e saudáveis, deveres de cidadania, bastando enviar e-mails para esta coluna. Afinal, se os mais poderosos se contam em 40 dedos, os menos certamente, contam-se aos milhares, e isto é apenas um primeiro passo rumo à revolução dos excluídos culturais e a criação do MSPC (Movimento dos Sem Poder Cultural).

Transcorrido o lero-lero, passemos à divulgação dos nomes organizados em pares ou trios, de acordo com afinidades fonéticas, rimas pobres, mimetismos e associações livres de idéias. A ordem é aleatória: foi impossível formar um ranking nas condições cognitivas dos votantes

Leia a seguir (finalmente) a lista dos “40 artistas menos poderosos do Brasil”, da toalha de papel do Jobi para o mundo!

* Tom Zé, Arrigo Barnabé e Jards Macalé.

* Lucélia Santos e Baby Consuelo do B.

* Guilherme Fontes e Guilherme Arantes.

* Francisco Weffort, Wando e Oswaldo Montenegro (apesar da Paloma Duarte).

* Roberto Leal e Nuno Leal Maia.

* Juca Chaves e Ipojuca Pontes.

* Lobão e Jorge Salomão.

* Marília Pêra e Maria della Costa.

* Gerald Thomas e Jeff Thomas.

* Prefeito Fortuna, Palhaço Carequinha e Daniel Azulay.

* Claudia Ohana, Yana Purim e… Hanna (a legítima, seja quem for).

* Guará Rodrigues e Claufe Rodrigues.

* Agnaldo Timóteo e Agnaldo Rayol.

* Sidney Magal e Gal.

* Milton Guedes e Fátima Guedes.

* Léo Gandelman e Nelson Ned.

* Zeca Baleiro e Helô Pinheiro.

* Tiririca e Tiazinha.

Fonte: BLOCH, Arnaldo. Os 40 artistas menos poderosos do Brasil. Jornal O Globo, Segundo Caderno, 9 ago. 2003.

MICRODEBATE SOBRE JEAN-LUC GODARD

Guará em São Paulo. Foto: Luiz Nazario

CARTOLA SEM COELHO

Paulo Henrique Silva   

Enquanto o professor Luiz Nazario acusava os cineastas europeus de buscarem imitar, em vão, o cinema de Hollywood, o ator Guará Rodrigues não poupou adjetivos negativos para os filmes da indústria. “É tudo uma m…, um lixo, o que eles fazem é o espetáculo pirotécnico”, defendeu. Menos radical, José Tavares de Barros concedeu para si o prêmio de “Saco de Ouro”. “Gosto de todos os tipos de filmes, até uma fita de ação como A outra face, de John Woo”, explicou. Fábio Carvalho preferiu aqui não se manifestar. Confira o bate-papo realizado após a sessão do filme JLG por JLG – Auto-retrato de dezembro, de Jean-Luc Godard:   

LUIZ NAZARIO: O Godard continua colocando na tela um monte de livros, quadros, filosofias, frases feitas, enfim, ele não modificou sua linguagem. Continua fazendo o mesmo cinema que fazia nos anos 1950-1960. É uma falta de criatividade do artista; Godard não se adaptou ao tempo.   

GUARÁ RODRIGUES: Todos os grandes cineastas fizeram o mesmo filme a vida toda, com a mesma equipe e os mesmo atores. Alfred Hitchcock e Howard Hawks fizeram isso.   

LUIZ NAZARIO: O estilo é o mesmo, mas será que o inimigo continua sendo o mesmo dos anos 60?   

JOSÉ TAVARES DE BARROS: Coerência há, mas concordo com Nazario que os tempos mudaram e Godard se repete. Na verdade, só fui movido a ver JLG por JLG por causa desde debate, pois, do contrário, ia esperar sair em vídeo.   

LUIZ NAZARIO: Acho que há uma diferença entre ver o mesmo filme prazeroso, agradável, bonito e fazer durante 30 anos o mesmo filme chato. JLG por JLG é crepuscular. Tem aquelas pinturas crepusculares, a luz de vela, o inverno, o amarelo da paisagem que é despovoada. É algo próximo da morte. Parece que Godard está esperando a morte.   

GUARÁ RODRIGUES: Eu me divirto mais vendo um filme de Godard do que outra coisa. Saio mais leve do cinema, é como ler um bom livro.   

JOSÉ TAVARES DE BARROS: Mas vejo uma grande diferença entre os outros filmes de Godard e JLG por JLG. Este último é uma tentativa curiosa dele mesmo esmiuçar, de fazer uma autocrítica. É igual a uma cartola de mágico, só que dela não sai nada.   

LUIZ NAZARIO: Isso é verdade. Você sempre vai a um filme de Godard esperando alguma coisa e ele nunca tira esse coelho da cartola.   

Fonte: SILVA, Paulo Henrique. Cartola sem coelho. Debate sobre o filme  JLG por JLG – Auto-retrato de dezembro, de Jean-Luc Godard, com José Tavares de Barros, Guará Rodrigues e Luiz Nazario. Jornal Hoje em Dia, Belo Horizonte, Caderno Cultura, p. 1, 23 set. 1997.